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quarta-feira, 31 de maio de 2017

FATIMA

Na passada quarta feira não foi possível ver por razões técnicas no asm

O filme Fatima de João Canijo

Mas hoje 31/5   foi possível logo cedo de manha debaixo das bancadas do Estádio do Sporting na sala 8 com extra uma masterclass com seu autor

As tC assistiram e gostaram








"Chega a ser incompreensível como é que alguém consegue converter um filme, montado de todas as peças, e com actrizes que têm que o ser até deixarem de o ser, na pura realidade. Pior que o ‘como’ – o para quê? (Se já há uma). Ah, mas essa difícil pergunta tem a mais fácil das respostas: porque a pura realidade existe por todo o lado – excepto dentro de um filme. E Canijo aprendeu a pô-la lá. Tenho até a impressão que mais ninguém o conseguiu fazer até hoje, só para gozar com o Bazin e dizer-lhe: e tu a pensares que era uma teoria sofisticada e impraticável, afinal, mal te precatavas, e não é que era mesmo a verdade do cinema – a realidade outra vez? Primeiro, Canijo pega nela; depois, redu-la a cinema, isto é, inventa-a completamente; em seguida, torna essa invenção, que já tinha começado por ser realidade (sobre a exaustiva metodologia do guião, dos actores e do seu peculiaríssimo ‘studio’ pós-cassavettesiano, há abundantes e indulgentes explicações do próprio), outra vez em realidade. Mas desta vez como filme. E, se é fácil a realidade ser realidade como realidade, parece praticamente impossível sê-lo também como filme. Fala-se, e bem, do tal milagre Canijo. É verdade. E o que mais intriga na genialidade do filme, é que ele consegue transformar Fátima em milagre – e isso já é da ordem, não da realidade, mas da preternaturalidade.

Explicando: o filme vai-se tornando numa variação antipática sobre (à escolha, ou em acumulado): a micro-sociologia do grupo humano como inviabilidade histórica de uma comunidade (quanto mais de um paraíso cristão); a luta sem tréguas entre indivíduo e ‘grupo’; um bando de gajas absolutamente gajas, de fazer perder a paciência a um santo; a absoluta ausência de qualquer réstia de cristianismo ou de espiritualidade naquele bando de egoístas quezilentas e embirrantes, que vão perdendo, uma a uma, qualuqer simpatia da parte do espectador; um retrato de um portugal das brenhas que até faz arrepios; e, no fim, quando nada, mas nada, o poderia fazer esperar, uma reconciliação cristã na porcaria do terreiro do santuário – e tão convincente como a mais pequena parcela do canijismo da realidade. E até nos reconciliamos com o serem tão gajas de todo aquele séquito de azedadas.

É qualquer coisa que, até aí, só pudera ter sido meramente mencionado como uma invenção possível de outrem: o ‘Pierre Ménard, autor do Quixote’. A transfiguração acontece por uma absoluta literalidade, ali onde seria impossível havê-la: a realidade completamente realidade, em cinema, é tão transfigurada quanto os Figurais sem qualquer eixo de coordenadas ‘reais’, de, digamos, um Cavalo Dinheiro. Um Quixote absolutamente igual ao Quixote, sem ser o Quixote, é a entidade mais diferente possível daquele, à escala universal.

Assim, uma vez mais, o cinema de Canijo é capaz de pôr a realidade no ecrã e a nós nessa realidade (mas não nesse ecrã): a arte consiste nesse ligeiro desacerto em concordância."

jMM (10.6.2017)