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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CINEMA-Fora-Dos LEÕES











O CINEMA-FORA-DOS LEÕES apresenta

Sexta-feira, 16 de Outubro, 21h30
AUDITÓRIO SOROR MARIANA
Cineclube da Universidade de Évora

2001: A SPACE ODYSSEY / 1968, Stanley Kubrick.



Segue-se a seguinte sessão:

22-23 de Outubro - ARQUITETURAS Film Festival 2015 - Circuito Itinerante de Évora
Programa e mais informações: http://arquiteturasevora.weebly.com/

2001, 'filme absoluto'? O absoluto reconhece-se, em primeiro lugar, através dos seus tiques: o absoluto tem tiques. O tique do silêncio (como nunca nenhum outro, o filme de Kubrick filma o silêncio); o tique do negro (a noite, o espaço, o monólito); o tique da omissão (que é o negro enquanto conceito ou perfídia cerebral: Kubrick, tal como Hal, 'omite informação'); o do enigma insondável (que é aquele conceito elevado a Ideia e condição definitiva); o da forma perfeita, a esfera...

Não é por a proposta de Kubrick ser a proposta ciclópica de filmar o Todo - o todo do universo, o todo da história, e o todo da prodigiosa escalada recíproca do tempo pelo espaço e do espaço pelo tempo, que é o modo indecifrável do acontecer desse Todo - e fazê-la caber num filme de duas horas que leva o tempo do Tempo e que cobre o espaço do Espaço, não é tanto por isso que o 2001 é um filme absoluto. É um filme absoluto, não tanto por conseguir ser o filme disso, mas por ser o filme que mostra isso elevado a filme. Um filme absoluto não vê nem dá a ver (o Todo): é ele próprio a hipóstase desse todo, agora aparecendo, não como tal, mas como filme.

É talvez esse o segredo do prodígio de escala e dimensão que Kubrick atinge nesta obra ímpar: converter, não o filme em espaço e tempo, mas, o espaço e o tempo, em filme. De tal maneira que o filme aconteça ele próprio mais do que tudo quanto acontece nele. Outra coisa não dizia Vertov, apesar da sua tónica na câmara e no olhar: o filme não regista opticamente o espaço e o tempo, o filme produz o espaço e o tempo aos quais ele constrói, e a montagem não é uma colagem posterior de imagens prévias e já dadas, mas (mais do que a câmara), é a operação que (como Pudovkin e Kuleshov demonstraram, e a seguir a eles os Gestaltistas) institui a imagem.

Ainda há duas semanas, um dos mais virtuosos cineastas da actualidade, Pedro Filipe Marques, no-lo explicava, reivindicando a pars leonis do mais recente cinema português. Quer dizer, como sempre: a parte fora-dos Leões.



Ciclo 'os filmes absolutos'

Há filmes que esbarrondam o plexo solar do incauto espectador, esmagando-o no impacto 'até aos netos dos seus netos', como nos antigos anátemas; há filmes que enlouquecem à demência quem os vê, outros que ultrapassam o pensamento de deus, e há ainda aqueles que derretem as estrelas e o universo, ou que são outro. São os filmes relativos.

Os filmes absolutos, esses, são simplesmente isso que eles são, e nada mais: são, pois, puro acontecimento. Um filme absoluto é um filme, não que se vê, mas que acontece. Absoluto, ele não estabelece relação com o espectador (não o 'atinge'), nem consigo próprio (não é portador de traços 'de absolutidade').

Poderíamos confundir, nos três casos de filmes absolutos que conheço, o seu absoluto com o efeito avassalador sobre nós da sua 'pura grandeza' (essa magnitudo que Kant atribui ao sublime, e que consiste em 'ser grande sem ser maior', quer dizer, em estar para além da ordem da comparação). Também o poderíamos confundir com uma qualidade intrínseca da obra, p. ex. o levar ao limite uma ideia fílmica (o filme sem filme de Kiarostami), ou um tema metafísico (o indecifrável monólito negro 'além de deus', no 2001...), ou o grau de pureza na impureza que permite a ressurreição como natureza e não como milagre, no filme inefável de Carlos Reygadas.

Mas não é nessa relação a nós nem nessa relação a si que o absoluto dos filmes absolutos consiste, e não só por razões lógicas: por evidência fílmica.

No final, dizemos - mas o que é que acaba de acontecer?! -, mas não de acontecer 'a nós', nem 'no filme': e não podemos dizer nada. Não porque 'não tenhamos palavras', mas porque é o próprio domínio da linguagem que desapareceu por completo, que se encontra completamente excluído enquanto tal de qualquer relação com o absoluto. Tudo o que possamos dizer do que sentimos, ou do que vimos, se limita ao ver ou ao sentir ou ao dizer. E não foi isso que aconteceu.

Os místicos e os teólogos experimentaram o dizer apofático ou negativo, e por vezes os textos sagrados referem a fulminação daqueles que vissem a face de deus. A propriedade principal dos filmes, mesmo dos absolutos, é mais difícil, porém: é não serem nem invisíveis nem divinos. Nada nos permitem: nem, sobretudo, escapar.

Isso que os filmes absolutos fazem acontecer não tem medida comum com nada que pertença à esfera do conhecido - e é nessa medida, e apenas nessa medida, que o dizemos 'absoluto', e, aos seus filmes, 'filmes absolutos'.

O que é talvez ainda mais intrigante.


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